O desenvolvimento motor humano é definido no dia a dia pela sua interação com o mundo e sua constante mudança de comportamento. A maneira pela qual a mudança no comportamento é vista pode caracterizar diferentes processos que estarão sempre associados ao conceito de tempo. Há mudanças no processo de aprendizagem, no processo de evolução de uma espécie animal e no processo de desenvolvimento de um indivíduo. Esse desenvolvimento é resultado de um processo maturacional e de mecanismos biológicos, endógenos e regulatórios. A maturação atua nos processos de desenvolvimento, experiências e características individuais de cada ser humano. As mudanças no desenvolvimento motor são devidas as mudanças biomecânicas ocasionadas pelo crescimento físico, maturação neurológica e às mudanças oriundas do desenvolvimento cognitivo. Muitos padrões de movimento são mudados durante a vida , pois corresponde a mudanças espaciais, e envolve muitas variáveis, como força, energia e seu gasto no dia-a-dia, mas como já temos um certo nível de habilidade, nem reparamos que estes movimentos são bem estruturados. Mas como aprendemos tais movimentos e habilidades? Quais aspectos do comportamento humano envolvem a aprendizagem? Como é a aprendizagem para cada indivíduo? Qual a importância do movimento para o desenvolvimento humano? O desenvolvimento perceptivo-motor correto garante uma concepção mais ajustada sobre o mundo externo e as dificuldade de aprendizagem simbólica refletem uma deficiente integração das noções espaço e tempo que são fundamentais para a organização do sistema sensório-motor da criança. A garantia de um pleno desenvolvimento preceptivo motor por parte da criança, oferecerá condições para favorecer o amadurecimento e depuramento de suas estruturas cognitivas. É pelo comportamento perceptivo motor que a criança aprende o mundo no qual faz parte.
O desenvolvimento global da criança depende do comportamento perceptivo motor, o qual exige como condição variada oportunidades de aplicação: a exploração lúdica, o controle motor, a percepção figura fundo, integração intersensorial, noção de corpo, espaço e tempo, etc. O desenvolvimento motor é um processo contínuo e demorado e, pelo fato das mudanças mais acentuadas ocorrerem nos primeiros anos de vida, existe a tendência em se considerar o estudo do desenvolvimento motor como sendo apenas o estudo da criança. É necessário enfocar a criança, pois, enquanto são necessários cerca de vinte anos para que o organismo se torne maduro, os primeiros anos de vida, do nascimento aos seis anos, são anos cruciais para o indivíduo. As experiências que a criança tem durante este período determinarão, em grande extensão, que tipo de adulto a pessoa se tornará. Com o processo de desenvolvimento, a criança tende a adquirir e refinar múltiplas formas de movimento, e também de usar os movimentos adquiridos numa variedade de situações.
DESENVOLVIMENTO MOTOR NORMAL DA CRIANÇA
Período Neonatal: A postura simétrica de flexão em todas as posições de um bebê é devido uma hipertonia flexora fisiológica dos músculos do tronco e dos membros, que é de distribuição simétrica. Os membros resistem à extensão passiva. O controle da cabeça é deficiente. Os braços encontram-se bem fixados ao tronco, em atitude de flexão. As mãos ficam bem fechadas e o polegar em adução os dedos não apresentam reflexo de preensão e sim uma reação tônica de seus flexores. Os braços e as mãos mostram resistência a extensão passiva, porém, se estendem reflexamente no reflexo de Moro. Os membros inferiores são mais móveis e mostram flexão e extensão alternadas, tanto na posição supina quanto na prona. Esses reflexos são diferentes dos reflexos de flexão e extensão cruzadas.
Dentre as reações de retificação somente esta presente à reação cervical de retificação. Quando o bebê faz uma rotação ativa de sua cabeça também irá ocorrer uma rotação da coluna e se essa rotação da cabeça for bastante forte, o bebê vai virar para o lado da rotação. O bebê tem um controle fraco devido sua reação labiríntica de retificação também se apresenta de forma fraca. Na posição prona, ele só consegue levantar a cabeça por alguns momentos, embora consiga virá-la para os lados. As reações óticas de retificação ainda não estão presentes. As reações de equilíbrio estão ausentes. Isso pode ser comprovado colocando-se o bebê na posição supina ou prona em uma mesa, e se esta for inclinada para um lado, o bebê rolara para o lado mais baixo sem nenhuma reação adaptativa. O reflexo tônico cervical assimétrico não é encontrado no recém-nascido. As atitudes tônicas cervicais assimétricas mais definidas aparecem pela quarta ou quinta semana, após um aumento no desenvolvimento do tônus extensor. Essa resposta é muito imprevisível e variável, não sendo suficientemente forte para interferir nas atividades gerais do bebê.
O bebê apresenta outras reações automáticas que são:
a) Reflexo de Apoio - é obtido quando se coloca o bebê em pé sobre uma mesa. Ele se endireitara gradualmente, assumindo uma postura;
b) Reflexo da Marcha - coloca-se o bebê de pé sobre uma mesa e o examinador suporta o tronco do bebê com suas mãos. As pernas se estenderão e ele se endireitara para assumir a posição de pé. Quando estiver esticado e se inclinar ligeiramente para frente, o bebê começará a andar com passos bem coordenados e ritmados.
c) Reação de Galant - ou reflexo de encurvamento do tronco; é testado com o bebê na posição prona ou em suspensão ventral. A pele da região lombar é picada com um alfinete do tronco em direção ao lado estimulado. Esse reflexo desaparece normalmente durante o segundo mês, e quando ele é conservado por um longo tempo, pode significar demora no desenvolvimento da estabilização simétrica do tronco e dos movimentos independentes da cabeça, que são necessários para sentar, ficar de pé e andar;
d) Reação de Colocação das Pernas - é obtida levantando-se o bebê na posição ereta e delicadamente levando a parte anterior da perna ou o dorso do pé ao contato da borda da mesa. O bebê flexionará a perna e colocara o pé acima da superfície da mesa, seguida pela extensão das pernas assim que a sola do pé tocar a superfície.
Um importante aspecto do comportamento motor de um bebê normal é a sua variabilidade. Os sistemas responsáveis pela movimentação normal dos bebês são: sistema vestibular, o visual e o proprioceptivo. A criança vai vencer a gravidade de acordo com seu estado emocional e sua motivação. O seu desenvolvimento vai progredindo à medida que ela começa a explorar o meio ambiente, elaborando estratégia para alcançar objetos, estabelecendo noção de esquema corporal, cognição, graus de liberdade de movimento, tônus normal, velocidade de movimento, memória, variação de movimentos. A gravidade vai agir sobre o labirinto fazendo com que o corpo reaja contra a gravidade, ativando com isso a regulação do to nus, e vai recebendo informações que vão estimular a parte visual e assim estimulando as funções necessárias para seu desenvolvimento.
DESENVOLVIMENTO MOTOR NA PARALISIA CEREBRAL
Na paralisia cerebral, a lesão interfere na seqüência do desenvolvimento da criança. Os sintomas do retardo motor são seguidos, cedo ou tarde, pelo aparecimento de padrões anormais de postura e movimento, em associação com o tônus postural anormal. Com o gradual aparecimento da atividade tônica reflexa, as atividades extensoras e flexoras tornam-se mais fortes, nas posições supina ou prona respectivamente.
O bebê com paralisia cerebral não desenvolve o tônus postural contra a gravidade como acontece com uma criança normal, porem desenvolve atividade reflexa postural anormal, que de fato, faz com que seu corpo siga em direção da gravidade. Se e uma criança quadriplégica e seu corpo esta todo envolvido, pode ela com o tempo, desenvolve quadro de extensão total deitada na posição supina e de flexão total deitada na posição prona. A evolução e a extensão com que este quadro se desenvolve do tipo e da severidade do caso e do quanto o corpo esta envolvido. Inicialmente, a menos que o caso seja muito grave, a hipertonia extensora e flexora se apresenta quando a criança é manuseada. A hipertonia se desenvolvera seja na forma de espasticidade ou de rigidez, ou como aumento intermitente do tônus postural em resposta a estimulação, que é característica do grupo atetóide da paralisia cerebral. Certas dificuldades podem surgir no reconhecimento precoce do tipo hipotônico da paralisia cerebral. Na maioria dos casos deste tipo, a hipotonia é um sintoma transitório, seguido cedo ou tarde por um tipo flutuante de tônus postural característico do grupo atetóide, ou por uma hipertonia espástica ou plástica. A hipotonia de origem central e geralmente vista em bebes que ainda não se moveram e não esta ainda respondendo aos estímulos do ambiente. Mais tarde, quando a criança começa a reagir aos estímulos externos, e passa a ser manuseada e movida de um lado para o outro, ele desenvolve assim, o tônus postural, mas não normalmente. Seu reconhecimento precoce se da por meio de estímulos externos, reflexos e manuseios.
FATORES IMPORTANTES NA AVALIAÇÃO DA PARALISIA CEREBRAL
Pelo menos três fatores devem ser considerados nos casos de paralisia cerebral. Estes fatores, juntos determinarão o quadro individual. Estes fatores são: o tipo e a força do tonus muscular anormal, o tipo de distúrbio da inervação recíproca e a distribuição do quadro e o padrão predominante de postura e de movimento. Nos pacientes com paralisia, as qualidades anormais de tônus postural não estão muito nítidas, e o principal problema de tratamento é o de reconstruir padrões seguindo a seqüência do desenvolvimento ao invés de inibir os padrões anormais de postura e movimento junto com a facilitação de padrões motores normais. O tratamento nos bebes pode impedir o desenvolvimento do quadro completo da anormalidade, e a inibição de padrões anormais tem uma importância menor.
Tônus Muscular Anormal
Todos os casos de paralisia cerebral tem em comum um tônus muscular anormal. Isto é examinado pela movimentação passiva dos segmentos de um membro e testando-se a resistência que os músculos oferecem ao estiramento passivo. Infelizmente ainda não há uma explicação para estes diferentes tipos de anormalidade de tônus muscular vistos na paralisia cerebral. É suficientemente conhecida a natureza da espasticidade, que é considerada como resultado do sistema gama ou do alfa , liberados do controle inibitório dos altos centros. A liberação de um mecanismo facilitatório dentro do tronco encefálico, aumenta a sensibilidade do sistema gama. Este se torna hiperexcitável e reage ao máximo a um estriamento adequado, isto é, com uma descarga total sincronizada. O resultado é uma fase sincronizada excitatória seguida de uma fase sincronizada de inibição pós-excitatória. Depois de passar esta fase, retorna outra de excitação pós-inibitória. Estas observações explicam o fenômeno observado pelo músculo espástico. Este tipo de hipotonia é um grau severo de espasticidade. A rigidez na paralisia cerebral, talvez melhor chamada de hipertonia plástica, é caracterizada pela resistência que um músculo oferece ao estiramento passivo em toda amplitude, tanto na flexão como na extensão. Este fenômeno pode ser causado parcialmente pela co-contração. É ainda impossível explicar a natureza flutuante do tônus muscular encontrado no grupo atetóide de paralisia cerebral. A amplitude desta flutuação vai variar. A flacidez do tônus muscular, a hipotonia, é geralmente um fenômeno transitório em paralisia cerebral ocorrendo na primeira infância e seguido por um tipo espástico ou plástico de hipertonia ou pelo tônus do grupo atetóide. A avaliação do tipo e da forca da resposta miotática ao estiramento, pode ser de algum valor no diagnóstico e na classificação de casos. Já para a avaliação e reavaliação dos pacientes ou para planejar o tratamento pode-se mencionar os seguintes itens:
Hipertonia e hipotonia como fenômeno muscular são muito variáveis e isto vai alterar o quadro geral e a excitabilidade da criança e com a força e rapidez do estiramento muscular;
Diferentes tipos de anormalidades do tônus muscular podem ser observados na mesma criança em diferentes partes do corpo;
Um tipo de tônus muscular anormal nas partes afetadas pode mudar com o tempo;
A força e a distribuição da hipertonia, em qualquer parte do corpo, vai mudar as alterações de posição da cabeça no espaço ou na posição da cabeça e pescoço em relação ao tronco, como resultado da atividade tônica reflexa.
Distúrbio da Inervação Recíproca
O conhecimento da inervação recíproca pode ser de grande valor para diferenciar os vários tipos de paralisia cerebral e oferece idéias para o tratamento da paralisia cerebral. A inervação recíproca também foi considerada importante para a regulação do tônus da postura, na manutenção da postura e da execução dos movimentos normais. A este fenômeno chama-se de inibição recíproca, que pode ser classificada como um fenômeno do SNC.
Padrões Predominantes de Postura e Movimento
A regulação do tônus muscular pelo corpo para a manutenção da postura e do movimento constitui função do sistema proprioceptivo. São as reações posturais que regulam o grau de distribuição do tônus muscular. A maioria destas reações é elicitada pela estimu1ação dos órgãos sensoriais terminais nos músculos e articulações. São exceções as reações óticas de retificação e as reações corporais de retificação agindo no corpo e na cabeça, estes últimos resultantes da estimulação tátil do corpo. O tônus muscular depende de um arco de reflexo proprioceptivo intacto. Os órgãos terminais proprioceptivos estão no próprio músculo e são estimulados por movimento do corpo. A postura e o movimento interagem de tal maneira que não podem ser separados. As alterações posturais são partes e parcelas de cada movimento. Na verdade, os movimentos em si devem ser encarados somente como mudança de postura. Um mecanismo reflexo postural normal vai servir para os aspectos de manutenção de nosso equilíbrio em todas as posições e durante todas as atividades, que envolvam mudanças da posição do corpo; fixação de partes do corpo no apojo e orientação de partes que se movem.
Na fisioterapia, ortopedia e cirurgia, tem-se levado a ênfase para os músculos e as articulações de um membro em particular e para os efeitos das mudanças posturais locais. Esta abordagem despreza o fato de que a espasticidade não reside em um ou dois grupos musculares de um membro, mas é coordenada em padrões que envolvem todos os músculos das partes afetadas do corpo todo.
REFLEXOS TÔNICOS
Os reflexos tônicos importantes na paralisia são o Reflexo Tônico Labiríntico; os Reflexos Tônicos Cervicais; as Reações Associadas e as Reações Positivas e Negativa de Suporte.
Reflexo Tônico Labiríntico: Este reflexo é evocado pelas mudanças na posição da cabeça no espaço, provavelmente pela estimulação dos órgãos otolíticos dos labirintos. Na criança com paralisia cerebral ele causa um máximo de tônus extensor na posição supina e um mínimo de hipertonia extensora com um aumento de tônus flexor na posição prona.
Reflexo Tônico Cervical Assimétrico: Esta e uma resposta proprioceptiva que origina-se nos músculos do pescoço e talvez nos receptores sensoriais dos ligamentos e da articulação da coluna cervical. No caso de virar a cabeça para um lado, aumenta a hipertonia extensora no lado para qual a face está virada e aumenta hipertonia flexora no lado oposto.
Reflexo Tônico Cervical Simétrico: Esta também e uma resposta proprioceptiva dos músculos do pescoço por um movimento ativo ou passivo de levantar ou flexionar a cabeça. Quando se realiza este movimento, haverá aumento da hipertonia extensora dos braços e flexora das pernas, já quando flexiona a cabeça produz-se o efeito oposto.
Reações Associadas: Estes são também chamados de movimentação associada e podem ser vistas nas pessoas normais quando fazem exercícios árduos como quando levantam grande peso. Nas crianças com paralisia haverá aumento de espasticidade em todas as partes do corpo.
Reação Positiva de Suporte: Esta é a modificação tônica do impulso espinhal extensor, fazendo de um membro um pilar para o suporte de peso. Ele é produzido por um duplo estímulo: o tátil que e pelo toque do antepé no chão e o proprioceptivo, pela pressão resultante do estiramento do músculo intrínseco do pé.
TIPOS DE PARALISIA CEREBRAL
A Criança Espástica: A criança espástica mostra hipertonia de um caráter permanente que pose ser espástica ou plástica. O grau de espasticidade varia com a condição geral da criança, isto é, sua excitabilidade e a força do estímulo a que ela está sujeita a qualquer momento. Se a espasticidade é grave, a criança e mais ou menos fixada em algumas posturas típicas devidas aos severos graus de co-contração das partes envolvidas, especialmente em torno das articulações proximais. A espasticidade é de distribuição e alterações típicas de um modo desprezível, devido a atividade reflexa tônica.
Diplegia Espástica ou Paraplegia: Na criança diplégica as extremidades inferiores são mais gravemente atingidas que as superiores. Esta condição é de distribuição bem simétrica. O controle da cabeça e geralmente bom, e a fala e articulação não são afetadas. Se os braços estão apenas levemente envolvidos, estas crianças são usualmente classificadas como paraplégicas.
Quadriplegia Espástica: Neste tipo de paralisia cerebral, o corpo todo está afetado; a distribuição é muito assimétrica, um lado sendo mais envolvido que outro e os membros superiores sendo mais afetados. Por estas razões, estes casos são referidos como dupla hemiplegia. Sendo as partes superiores mais afetadas, o controle da cabeça geralmente é mau, e a fala e a articulação são mais ou menos envolvidas.
Hemiplegia Espástica: O diagnóstico precoce da hemiplegia espástica usualmente não e difícil por causa da assimetria dos padrões posturais e de movimentos que cedo aparecem. A mão afetada está bem fechada e o bebê não abre. Ele não chuta com a perna afetada. Ele não passa pelos estágios de desenvolvimento simétrico do bebê normal, que começa em torno das dezesseis semanas. Ele assim não usa ambas as mãos na linha mediana, não alcança nem agarra com a mão afetada e não se suporta sobre o membro hemiplégico.
A Criança Atetóide: Todo paciente atetóide mostra um tônus muscular instável e flutuante, mas a amplitude das flutuações pode variar nos casos individuais. Estas crianças têm o tônus postural de sustentação deficiente e não podem, manter uma posição estável. Há insuficiente fixação postural devida a falta de co-contração, isto e, contrações simultâneas de agonistas e antagonistas, que orientam e suportam Os segmentos em movimento.
Muitas posturas desordenadas e movimentos típicos da paralisia cerebral são o resultado de reações posturais não controladas que persistem até idades em que elas já são consideradas anormais. A partir de uma compreensão do movimento normal incluindo a percepção usa-se a facilitação de movimentos e posturas seletivas, objetivando-se um aprimoramento da qualidade de vida.
Drª Luciana Passos
Fisioterapeuta
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